A marcha da insensatez
As
grandes empreiteiras oscilam entre o silêncio e a negativa da autoria. Deu certo até que surgiu o
“Efeito Papuda”.
O
advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, também conhecido como Kakay, é uma espécie de Sobral Pinto do
andar de cima. “Doutor Sobral” era um homem frugal, sempre vestido de preto, defendendo causas
de presos ferrados pelo poder dos governos. O espetaculoso Kakay é amigo dos reis e vive na Pasárgada de Brasília. Defendendo
empreiteiras apanhadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, disse o
seguinte: “Dentro da normalidade, você
teria de declarar (as empresas) inidôneas. Se isso acontecer, para o país.”
Ele não foi o primeiro a
mencionar esse apocalipse, no qual está embutida uma
suave ameaça: se a
faxina não for contida, o Brasil acaba, pois com essa gente não se deve mexer. O presidente do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, propôs uma “repactuação” dos
contratos que essas companhias têm com a Viúva: “Parece que as empresas estão demonstrando boa
vontade, todas elas ajudando, estão se dispondo a devolver recursos, portanto
há uma boa vontade.” Mais: “Poderíamos
repactuar, eles perderiam o que está acima do preço. Como consequência,
faríamos economia para o Erário.” O vice-presidente Michel Temer foi na mesma
linha, propondo a “repactuação de eventuais exageros”. Falta saber o que
Nardes entende por “acima do preço” e o que Temer define como “exageros”.
Como até hoje nenhuma
empreiteira, salvo a Setal, reconheceu ter delinquido, parece até que a
delinquência é da Polícia Federal, do
Ministério Público e do Judiciário. A “repactuação”
só pode começar pactuando-se a verdade. Se de fato houve uma “denúncia vazia de um criminoso confesso”,
como disse Marcelo Odebrecht, referindo-se ao ex-diretor da Petrobras Paulo
Roberto Costa, então sua empresa nada tem a ver com a história, merece os
devidos pedidos de desculpas e “Paulinho” deve
voltar para a carceragem. Se a Camargo Corrêa, a OAS e a Mendes Júnior nunca praticaram atos ilícitos, dá-se o
mesmo e nada há a repactuar.
Grandes
empresas metidas nas petrorroubalheiras adotaram uma atitude desafiadora, talvez suicida.
Tentaram tirar o processo das mãos do juiz Sérgio Moro. Em seguida, fizeram uma
discreta oferta de confissão coletiva, rebarbada pelo procurador-geral da
República com três palavras: “Cartel da
leniência.” “Repactuação” pode ser seu
novo nome.
As
grandes empreiteiras oscilam entre o silêncio e a negativa da autoria. Deu
certo até que surgiu o “Efeito Papuda”. Não só
José Dirceu, o “o capitão do time” de Lula, foi para a
penitenciária, como as maiores penas foram para uma
banqueira (Kátia Rabelo) e um operador de
palácios (Marcos Valério). Ocorrido esse desfecho inédito, seguiu-se a
descoberta da conveniência de se colaborar com a Viúva em troca da sua boa
vontade. Já há dez doutores debaixo desse guarda-chuva e tudo indica que outros
virão. As empreiteiras estão rodando um programa vencido.
Quem olha para o
trabalho do juiz Moro e do Ministério Público pode ter um receio. Abrindo demais o leque, ele se
arrisca a comprometer a essência da investigação. Como ele tem conseguido
preservar sigilos, pode-se ter a esperança de que o principal objetivo da
operação é ir de galho em galho, para chegar ao topo da árvore.
Fonte: Elio Gaspari – O Globo
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